Lorde se abre sobre transtorno alimentar em novo disco: 'Parte de mim gritava: Não se exponha'
Ao g1, cantora fala sobre as revelações do disco 'Virgin', música com Charli XCX e participação no amado Primavera Sound 2022, em São Paulo: 'Eu me sinto ...

Ao g1, cantora fala sobre as revelações do disco 'Virgin', música com Charli XCX e participação no amado Primavera Sound 2022, em São Paulo: 'Eu me sinto muito compreendida no Brasil'. Lorde para a música 'What Was That', de 2025 Divulgação Lorde nasceu na transição entre millennials e gen Z. Temos quase a mesma idade, mas sempre senti que ela já sabia algo que eu ainda ia descobrir. No som cru e letras cortantes, ela sempre trouxe em música o "coming of age", ou amadurecimento, da nossa geração -- mesclando reflexões sobre juventude e telefones, coração partido e modernidade. Não à toa, com 28 anos, a neozelandesa é uma das compositoras mais influentes da última década. E em "Virgin", disco que será lançado nesta sexta (27), ela faz dessa honestidade brutal o seu ponto de partida. É um trabalho revelador até para ela. "Eu estava arrancando camadas", diz. Há versos sobre transtorno alimentar ("preparo uma comida que não vou comer"), gênero ("alguns dias, sou uma mulher; alguns dias, sou um homem") e até a ansiedade de esperar um teste de gravidez, na dúvida de qual resultado ela gostaria de ver ("Clearblue"). Quando ela fala sobre sexo, um tema padrão na música, sai do roteiro típico e menciona até ovulação. O disco é como uma captura de tela da nossa geração neste momento: temos liberdade de gênero, de sexualidade e um corpo para explorar. Mas também encaramos uma ansiedade excepcional com nosso futuro e o espelho. Afinal, intervenções, filtros e o culto à magreza são a nova norma. Lorde em sessão de fotos para o disco 'Virgin' Thistle Brown/Divulgação "Nos últimos anos, estive em guerra com meu corpo", antecipou Lorde em "Girl so Confusing (Remix)", com Charli XCX. A música faz parte de "Brat", o disco mais comentado do ano passado. "Eu sentia apenas repulsa e dor com relação ao meu corpo e como ele se apresentava. Escrever sobre isso foi muito desconfortável. Partes de mim gritavam: 'Não se exponha assim'. Era assustador, era muito íntimo", conta ao g1. Na entrevista abaixo, Lorde explica como tomou coragem para falar sobre esses temas. Ela também reflete sobre sua participação em "Brat", e reage ao descobrir que o Primavera Sound 2022 em São Paulo (que marcou sua última vinda ao Brasil) é lembrado como "icônico". Lorde encanta público do Lollapalooza com 'Royals' g1: Tenho achado muito interessante que, enquanto na internet rola um discurso da “clean girl” e coisas “girly”, nas músicas em "Virgin", sua abordagem sobre ter um corpo de mulher esteja longe de ser limpa ou feminina. Você foi impactada por esse tipo de discurso online? Diria que está, de certa forma, reagindo a ele? Lorde: Nossa, gosto disso. Eu acho que meu trabalho é uma conversa entre mim e o meu mundo. É o que eu vejo ou quero ver. Eu definitivamente senti que, ao fazer "Virgin", havia um tipo de feminilidade que eu precisava ver contida em um lugar. Mas, sabe, eu tenho tantas influências femininas incríveis. Muitas delas são artistas que estão em atividade hoje, que todos nós amamos. Mas sim, havia esse tipo de feminilidade mais crua, selvagem… algo quase primordial. Havia uma sexualidade ali, mas totalmente através do meu olhar. E também uma abertura em relação ao gênero. Eu pensava: “Se eu estou sentindo a necessidade de uma obra de arte com essa perspectiva, talvez outras pessoas também estejam.” E eu, sabe, já tive minha fase comprando [tendências como] “quiet luxury”. Eu entendo completamente, faz sentido — mas eu realmente precisava de algo diferente. Lorde em sessão de fotos para o disco 'Virgin' Thistle Brown/Divulgação g1: Achei muito interessante o nome do álbum, "Virgin", porque as letras e a estética são sexuais. Me lembrou bastante a Madonna — a pessoa menos virginal do mundo — cantando "Like a Virgin". O que essa palavra, usada como título do álbum, significa pra você? Lorde: Bom, eu estava pensando muito sobre pureza. E como você percebeu muito bem, não era necessariamente pureza sexual o que eu queria dizer. Era mais sobre o fato de que, ao me expressar com o máximo de verdade, eu estava arrancando camadas que tinham se formado sobre mim. E isso me levava de volta a algo muito essencial. Isso me deu paz. Eu realmente senti, enquanto fazia esse álbum, que eu precisava fazê-lo. Ele me tirou da zona de conforto. Me colocou num estado de desconforto ativo com frequência. Uma das últimas músicas que terminamos foi "Broken Glass", que fala de um período em que eu realmente tive dificuldade para me alimentar de uma forma saudável. Foi uma fase em que eu sentia apenas repulsa e dor com relação ao meu corpo e como ele se apresentava. Escrever sobre isso foi muito desconfortável. Parte de mim gritava: “Não se exponha assim.” Era assustador, era muito íntimo. Mas eu também sentia que, se alguém tivesse feito isso por mim quando eu estava naquele fundo do poço, teria me ajudado muito só de saber que eu não estava sozinha. Preciso fazer uma menção a Tove Lo, que escreveu a música "Grapefruit" alguns álbuns atrás, sobre sua experiência com um transtorno alimentar. Lembro que, naquela época, fui profundamente grata por essa música. [pausa] Me desculpa, minha mãe acabou de me ligar por FaceTime. Enfim, tem sido um processo muito vulnerável. Nada confortável. Mas sou muito grata por isso. E estou amando. Sinto que é tudo muito verdadeiro. g1: Você também fez parte do fenômeno que foi "Brat". Eu queria saber: por que você acha que aquele álbum — e a faixa "Girl, So Confusing (Remix)" — ressoaram tanto com o nosso tempo? Lorde: Ah, acho que isso fala muito sobre a Charli e a visão dela. Ela tem uma compreensão muito instintiva da cultura — em todos os sentidos. Quando ouvi a música, fiquei chocada com o que ela tinha conseguido capturar sobre a vivência feminina. Parecia que ela estava me dando a oportunidade de completar uma frase. Algumas pessoas têm esse dom. É a mágica do pop, né? Você está realmente falando sobre o nosso mundo, sobre o agora. Foi exatamente isso que tentamos fazer com "Virgin". Eu não queria que o álbum parecesse estar em outro tempo que não o presente. Diferente de "Solar Power" [disco de 2021], que poderia se encaixar em vários períodos diferentes. Com "Virgin", eu pensava o tempo todo no agora. Foi muito legal ter sido convidada para o universo de "Brat". Acho que foi uma das experiências artísticas das quais mais me orgulho. Me mostrou o que é possível fazer com a música pop, e de quebra, ganhei uma amizade linda com a Charli. Me sinto sortuda. g1: Queria te contar que, na sua última vinda ao Brasil, você fez parte de um momento histórico para um nicho de pessoas aqui no Brasil. O Primavera Sound 2022, em São Paulo, é considerado um festival praticamente perfeito. Tivemos você, a Charli, a Phoebe Bridgers… foi um marco. Lorde: Ah, eu amo isso! Lembro que foi um festival icônico. E sim, a gente jantou juntas! Foi muito especial, eu lembro mesmo. Lorde no Primavera Sound 2022 em SP Divulgação / Pridia g1: Qual a sua memória daquele festival? Lorde: Lembro que senti algo muito forte. Sabia que algo especial ia acontecer — e sempre acontece quando a gente toca no Brasil. Os shows no Brasil são os que mais esperamos durante toda uma turnê. Lembro de dizer para a banda, que em grande parte nunca tinha tocado no Brasil: “Esse vai ser provavelmente um dos shows mais especiais da sua vida. Tentem estar presentes.” E eu realmente senti isso. Acho que eu tinha acabado de fazer 26 anos. Sentia que estava prestes a passar por uma grande mudança. E, de fato, os 26 foram um ano bem louco pra mim. Eu me sinto muito compreendida no Brasil. Sempre senti que não existe uma barreira de linguagem — é uma conexão direta, uma sensação compartilhada. E eu sempre quis que os shows durassem 12 horas. Tipo, que a gente fosse para outro bar depois, ou saísse para comer, sabe? Esses momentos realmente ficam marcados na minha mente. São muito especiais. g1: Pra mim também foi especial. Eu estava com minhas amigas e a gente chorou o show inteiro [risos]. Foi lindo. Obrigada por aquilo. Lorde: Ai, meu Deus. Obrigada você.